terça-feira, 15 de janeiro de 2013

CONTO 56

Almeidão levou o maior susto. Logo pela manhã, saindo para o trabalho, a vizinha, sem tergiversar, deu-lhe uma cantada que era quase um ultimato. Diante da cara abobalhada dele, Susana garantiu sigilo, afiançando que ela tinha namorado, e que sabia que ele tinha namorada. Durante todo o dia, a história ficou na cabeça dele como coceirinha que, se não chega a incomodar, também não deixa esquecer que existe. À noite, leu Rilke: “Em minha vizinhança havia uma mulher / que me acenava com seus vestidos ousados”. Contudo, ao marcar com caneta os versos, deu-se conta de que lera incorretamente: em vez de “ousados”, o correto é “usados”. Almeidão pôs o livro na mesa de cabeceira, apagou a luz, deitou-se e repetiu para si, cinco vezes, que não sonharia com a vizinha.

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