terça-feira, 4 de dezembro de 2012

APONTAMENTO 162

O fato de eu gostar da transgressão não me impede de querer a beleza, que é querer a arte. A transgressão não tem de, mas pode ser bela. A arte não tem de, mas pode ser transgressora. Eu acredito na beleza. Eu acredito na transgressão. Eu acredito que possam estar juntas, embora não tenham de.

A arte pode (e deve) tratar (também) do que é repulsivo e digno de ódio. Do que ela não pode abrir mão é de aspirar a ser uma grandiosa obra de arte, não importa do que trate. A arte pode (e deve) retratar (também) o que é feio, degradante e abjeto, mas não pode deixar de ser arte.

A modernidade, pós-modernidade ou seja lá o que for não implica abrir mão de um princípio só porque ele já existe há séculos. Arte requer dedicação e busca pelo belo, não importa quando seja produzida.

Não sei se a arte permite um lampejo do celestial. Ela já faz muito em sutilizar e melhorar o que é humano. Se melhorar e sutilizar o que somos implica criar em nós uma centelha de algo celestial, não vou me queixar disso.

4 comentários:

Nélio Lobo disse...

Congratulações, Liviano! Este seu pequeno texto deixa transparecer (e ao mesmo tempo exerce em nós) um poderoso fascínio. Trata-se de uma obra de arte grandiosa -- apesar de não sutilizar, nem transgredir. Difícil acreditar que o tenha produzido numa única sentada (embora fique essa impressão).


Lívio Soares de Medeiros disse...

Oh, Manoel, obrigado!

Quanto a esse negócio de produzir numa única sentada, isso pode causar uma certa ilusão, digamos assim. É que o texto foi escrito numa única sentada, mas não há nada de espantoso nisso, pois eu já vinha convivendo com as ideias (“preceito” drummondiano) há muito tempo.

Há tempos eu estava com a intenção de escrever algo sobre algumas bobagens e alguns disparates que dizem ser arte e que não passam de desrespeito para com o público e de uma boa dose de ignorância de quem compra tais ideias.

Um dia desses, por exemplo, li que lá em Inhotim, perto de BH, um cara usou guindastes para deixar cair, de determinada altura, estruturas metálicas enormes e bem compridas sobre o chão. Depois que as estruturas todas haviam sido jogadas do guindaste, a “obra” do “artista” estava pronta. É o tipo da coisa para a qual não deveriam espaço sob nenhuma alegação. Não é arte, não é arquitetura... O que, afinal, é uma gororoba dessas?!...

Numa boa: como dão espaço para esse tipo de coisa?... Podem me chamar de careta, de retrógrado, de reacionário ou de seja lá o que for, mas não consigo me entusiasmar por esses experimentos. E quando vêm me dizer que isso é arte, fico pensando o que vai pela cabeça de quem produz esse tipo de coisa e pela cabeça de quem consome tais “produtos”.

Ousadia, experimentações ou busca de alternativas outras são excelentes para a arte; contudo, antes de tudo, é preciso haver a preocupação em fazer arte, é preciso se lapidar, é preciso ter o que dizer e saber como dizer. Acho um saco essas figuras “viajadas” que se dizem descoladas; inventam uma retórica chinfrim qualquer num palavrório falsamente descolado e comercializam suas “obras”. Acho até que alguns se divertem com a crença e a ingenuidade de quem consome esse tipo de coisa.

Um grande abraço, Manoel.

Nélio Lobo disse...

Liviano, pois seu texto cumpre um papel parecido com o do guindaste dessa história, colocando à prova e despedaçando a pseudoarte, artificial e forçosamente mantida nas alturas.

Grande abraço.

Lívio Soares de Medeiros disse...

Manoel, obrigado pelos comentários e pela analogia com o guindaste.

Abração.