Li recentemente “Livro de uma sogra” (Lacerda Editores), do romancista, dramaturgo, desenhista e diplomata Aluísio Azevedo (1857-1913), mais conhecido pelas obras “O mulato”, “O cortiço” e “Casa de pensão”.
Em sua segunda fase como escritor, Azevedo abandonara os ideais do Romantismo e abraçara as convenções do Realismo. O “Livro de uma sogra” (1895) pertence à segunda fase.
Assim que a história começa, dois amigos, Leandro e Leão, conversam sobre a sogra daquele, que diz abominá-la. Leão começa como o narrador da história; em sua narrativa, termos como “serpente” e “diabólica” são usados para se referir à sogra de Leandro.
Tempos depois, Leandro e Leão voltam a se encontrar. Este pergunta pela sogra de Leandro (“e a serpente?”). O genro responde que, infelizmente, dona Olímpia, a sogra, não mais existe.
Leão não entende a lamentação de Leandro, pois da última vez em que haviam se encontrado, dona Olímpia havia sido taxada como a mais estranha, intransigente e enxerida das sogras.
Então Leandro, à guisa de explicação, mostra a Leão um escrito que havia sido deixado por dona Olímpia. Garantiu Leandro que após a leitura do manuscrito, Leão também passaria a ver dona Olímpia de modo totalmente diverso.
Assim, por intermédio desse truque literário, passamos a ler o livro da sogra; são as anotações de dona Olímpia. Valendo-se desse artifício, Aluísio Azevedo critica impiedosamente o casamento como instituição burguesa.
O livro ostenta as crenças científicas do século XIX, bem como traz as admoestações do antigo testamento quanto ao comportamento do homem em relação à sua esposa. Se por um lado tais crenças e admoestações podem soar anacrônicas, por outro, as ideias de dona Olímpia surpreendem – mesmo hoje.
O pensamento dela é o de que o casamento, tal como instituído pela burguesia, é uma farsa que violenta tanto o homem quanto a mulher. O manuscrito de dona Olímpia foi lido por Palmira (sua filha) e por Leandro somente após a morte da autora. Em seu libelo, Olímpia se justifica pela rabugice (principalmente para Leandro) e apresenta um modelo de casamento bem diferente do casamento burguês.
Naturalmente, o livro destrói os hábitos sociais do século XIX. Para dona Olímpia, o modelo de união (ainda) praticado pela burguesia levaria inevitavelmente ao enfado, ao cansaço e à infelicidade no casamento.
Em sua proposta, ela chega a “radicalizar”: durante a gravidez, por exemplo, o homem deveria simplesmente se afastar da esposa – mas é se afastar mesmo: ela chega a exigir do genro que ele vá para a Europa enquanto Palmira está grávida, no Rio de Janeiro.
Independentemente de se concordar ou não com as opiniões de dona Olímpia, “Livro de uma sogra” torna-se inevitavelmente um convite à reflexão sobre o casamento. Dos hábitos sexuais (Olímpia vocifera contra a falta se espontaneidade da lua de mel) à convivência em sociedade, as várias facetas da vida de um casal são abordadas pela sogra.
Para Olímpia, o que mantém um casamento feliz é o amor sensual. Por intermédio de seu escrito, é intenção dela oferecer a Palmira um “manual” de como manter sempre aceso o desejo sexual entre marido e esposa.
Para Olímpia, o que mantém um casamento feliz é o amor sensual. Por intermédio de seu escrito, é intenção dela oferecer a Palmira um “manual” de como manter sempre aceso o desejo sexual entre marido e esposa.
4 comentários:
Oi Lívio,
Belo texto. Sempre acreditei na existência das donas Olímpias. Até fiquei com vontade de ler o livro.
Grande abraço.
Grato, Rusimário. Quanto ao livro, vou levá-lo pra você depois.
Valeu.
Ontem estava comentando com uns amigos exatamente sobre esse assunto - o casamento convencional. Tbm gostei da sugestão, e até mandei o post pra um amigo ler. Quero ler esse livro tbm. rs
Lívio, sinta-se um dos grandes culpados pela minha grande frustração por morrer sem ler, ver e ouvir tudo o q eu tenho vontade.
Pois é, Gabriela, se por um lado existe mesmo a frustração porque a gente não consegue apreciar tudo o que a gente gostaria, por outro, há o barato de aproveitar casa segundo e cada palavra de tantas e tantas criações que há por aí.
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