sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Ontem, passou perfume

Boa parte do eleitorado de Bolsonaro não está interessada em algo que soe como diplomacia, diálogo, conciliação. Esse eleitorado, assim que Bolsonaro passou a ser veiculado nacionalmente, logo percebeu que havia nele um truculento que não estava a fim de lidar com civilidades. Tendo Bolsonaro divulgado a carta de ontem, esses eleitores se sentiram traídos pelo mandatário.

As pessoas se revelam em tudo aquilo que fazem, transpiram o que são, gesticulam o que são, falam o que são. A reação de repúdio de parte dos bolsonaristas quanto à carta divulgada ontem é mais uma amostra do quanto não sabem (nem querem saber) como funciona o tão espancado e incendiado, no Brasil, estado democrático. Um país não pertence a um presidente, um presidente não tem a prerrogativa de fazer com um país o que ele bem entende.

As promessas econômicas de Bolsonaro não foram cumpridas. Todavia, o fracasso econômico, político e diplomático do presidente não incomoda parte dos bolsonaristas, que não reclamam de pagar sete reais num litro de gasolina nem reclamam da fome no país nem reclamam do desemprego porque esses bolsonaristas a que me refiro não estão interessados nem no outro nem na democracia; eles têm um fetiche por ditadores e ditaduras.

Esses eleitores, quando afirmam que o Brasil está melhor com Bolsonaro, não têm olhos para o quanto o número de pedintes de esmola aumentou, não têm olhos para os que não conseguem mais comprar alimentos, comprar gás de cozinha. O que incomoda esses eleitores não é a miséria do país, mas uma cartinha infame, mentirosa e cínica. As pessoas se revelam nos motivos pelos quais ficam iradas. 

Se o sujeito não está (ainda) passando fome, se (ainda) consegue abastecer o carro, se (ainda) consegue saborear seu bife no almoço, sem problema se os demais não têm isso. Para boa parte dos bolsonaristas, a questão não é de humanidade: se eles (ainda) têm o que desejam, melhor ainda que seja, ocupando o poder, um “macho-mito” que fala alto e que, se for o caso, manda fechar seja o que for para demonstrar a “macheza” “mítica” que tem.

O Brasil (ainda) não chegou a outro golpe. Bolsonaro vai tentar um novamente, já que não deu certo no dia sete de setembro. O recuo falso por parte do presidente foi uma tentativa de apaziguar o dia de ontem. Hoje, o Sol voltou a nascer. Logo, logo, boa parte dos bolsonaristas terão mais do que estão sedentos, ou seja, de um sujeito que defende o extermínio dos adversários, que defende ditadores e que liberou o incêndio do país em nome dos interesses de uns poucos. Não importa se o Brasil pega fogo, não importa se as pessoas não têm o que comer, não importa se os índios estão sendo assassinados. 

Boa parte dos eleitores de Bolsonaro não vão assumir a miséria que ajudaram a criar porque concordam com ela. A fim de arrumar justificativas para a incapacidade e para a crueldade do presidente, esses eleitores ora culpam o passado, ora culpam o STF, ora culpam o comunismo (sic). A culpa nunca é de quem votou num sujeito que, durante toda a trajetória política, sempre deixou muito claro que matar é a especialidade dele, como ele mesmo já admitiu publicamente. Para um gambá, o cheiro de outro gambá é agradável. Os eleitores que ainda apoiam Bolsonaro podem ficar tranquilos. Ontem, ele só passou um perfumezinho. Hoje, está de volta a essência dele; ele já está cheirando a ignorância, a violência e a morte. Bolsonaro é putrefato. 

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Sem ilusões

Fico imaginando a cara de Bolsonaro ao ver divulgada a carta em que ele diz ser democrata. Ou seja: até quando quer soar conciliador, ele mente, pois ele nunca foi nem é um democrata. Bolsonaro fraquejou para tentar salvar a pele. Disse que respeita as instituições e a constituição. Mentira. Ainda assim, uma mentira que mostra o quão acuado e enfraquecido está. O “mito” subscreve declaração em que diz respeitar o STF. Mentira. Os bolsonaristas têm um “deus” que assina algo contrário à sua essência, algo escrito por Michel Temer, sujeitinho tão desprezível quanto o antidemocrata e covarde (em qualquer acepção do termo) Bolsonaro.

Só que um vaidoso ególatra como Bolsonaro não vai engolir calado a vergonha que está sentindo por causa da divulgação da carta de hoje. É muita humilhação para quem vinha descumprindo a constituição há décadas; é muita humilhação para quem não tem o menor espírito estadista. Bolsonaro bem que queria entrar para a história como um dos grandes. Agora, além de entrar para ela como um genocida miliciano, nela estará como quem arrega. Caras como ele são meninões mimadinhos que, quando em aperto, fazem xixi nas calças e chamam a mamãezinha.

Contudo, não pode haver ilusão. Ele é um moleque fracote, mas está no poder, é perigoso e tem seguidores perigosos. Justamente por estar com o ego ferido, é questão de pouco tempo para que Bolsonaro volte a atacar a democracia. Pode ser que os novos ataques venham por intermédio de atos. Bolsonaro não vai engolir, sem nada fazer, as palavras que ratificou hoje. Ele não está em nenhuma linha do que diz o texto da carta. Ele não deixou de ser o tolo belicoso que sempre foi. Por causa da vaidade, não vai admitir que está ferido. Com a cabeça no travesseiro, sabe que está; com a cabeça no travesseiro, vai urdir os próximos ataques. 

Especialidade

Ainda quando estava em campanha presidencial, na mesma fala em que Bolsonaro havia dito “minha especialidade é matar” (o que, coisa rara, não era bravata), o agora mandatário, referindo-se naquela ocasião a Paulo Guedes, disse: “Ele tem que dar conta do recado. O quê que é dar conta do recado?: inflação baixa, dólar compatível, que não prejudique as exportações nem prejudique as importações (...), diminuir a carga tributária” (...). Hoje, sabe-se que Bolsonaro somente cumpriu a parte em que é especialista. 

"Eficácia"

O governo Bolsonaro deixou vencer a validade de estoque de medicamentos, vacinas e testes de diagnóstico. Essas perdas serão incineradas. O valor delas: duzentos e quarenta milhões de reais. Dentre o que vai ser descartado, há itens para pacientes com diabetes, hepatite C, câncer, Parkinson, Alzheimer e tuberculose. Também perderam-se frascos para aplicação de vacinas contra gripe, BCG, hepatite B e varicela. Seja com armas, seja não comprando vacinas contra covid, seja deixando produtos vencerem, o bolsonarismo é criativo ao matar. 

Robôs que aliciam

No filme Ex Machina, há um momento em que o personagem Nathan [Oscar Isaac] está explicando para Caleb [Domhnall Gleeson] que Ava, a máquina criada por aquele à semelhança de uma mulher, poderia ter sexo e prazer. No original, Nathan diz: “In between her legs, there’s an opening, with a concentration of sensors. You engage’em in the right way, creates, a pleasure response”.

Vi os créditos até o fim; não foi inserido o nome de quem traduziu as falas. De todo modo, na legenda, assim ficou: “Entre as pernas dela, há uma abertura com vários sensores. Se aliciar da forma certa, terá uma resposta de prazer”. Não sei se a pessoa que traduziu fez de modo deliberado, mas achei divertido ela ter usado o verbo “aliciar” — Alicia Vikander interpreta Ava. 

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Claro hiato

O começo é escuro.
O fim é escuro.
A paz é escura.

A claridade é
só um átimo.
A luz é
só um hiato. 
_____

(Salvo engano, esse texto já havia sido publicado como fazendo parte de um fotopoema.)

Joga fora

O governo Bolsonaro deixou vencer a validade de estoque de medicamentos, vacinas e testes de diagnóstico. Essas perdas serão incineradas. O valor delas: duzentos e quarenta milhões de reais. Dentre o que vai ser descartado, e que foi comprado com dinheiro público, há itens para pacientes com diabetes, hepatite C, câncer, Parkinson, Alzheimer e tuberculose. Também perderam-se frascos para aplicação de vacinas contra gripe, BCG, hepatite B e varicela. Seja com armas, seja não comprando vacina contra covid, seja deixando produtos vencerem, o bolsonarismo é criativo ao matar. 

sábado, 4 de setembro de 2021

Coragem de inteligência e de beleza

O Brasil anda carente de beleza, de inteligência e de magnanimidade. Com a pandemia, os encontros, dentre os que têm consciência, tornaram-se menos frequentes. A má gestão do vírus da covid pelo governo federal e a existência gritante do bolsonarismo, nenhum deles capaz nem de ciência nem de arte nem de inteligência, perfazem um Brasil feio, pleno de meninos valentões — mas que, na hora do aperto, quando confrontados com a justiça que teimam em banir, choram como o que são: criançolas que só entendem sons guturais e que não suspeitam de algo chamado raciocínio, de algo chamado maturidade.

Os detentores da grana e do poder deixaram de ser os mesmos que pertenciam à classe dos intelectuais. Sedimentada essa separação, os ricos do Brasil cooptaram a classe média e fazem dela o que quiserem, a ponto de essa classe média se achar culta, sofisticada e rica porque foi a Paris ou a Nova York e porque leu os livros da moda. Os intelectuais, por sua vez, não têm mais espaço nem na imprensa nem nos meios de comunicação, que se tornaram porta-vozes da burrice e dos preconceitos arraigados em seus fundadores, membros de uma oligarquia que se atribui ares de importância, não se dando conta que cheiram a naftalina, a despeito dos perfumes caros que compram (não há essência que resolva o problema de uma mentalidade retrógrada e nada generosa).

O anseio por beleza, inteligência e magnanimidade está em todos. Os bolsonaristas não têm a capacidade de perceber isso, mas mesmo dentre eles o anseio de algo elevado e significante existe. Para os que não aderiram à perversidade do bolsonarismo, a consciência de um país mais pobre, menos inteligente e com capacidade de beleza obliterada faz com que a busca pela elevação e pela inteligência seja isolada exceção, e não congraçamento, para o qual nascemos, por mais que o bolsonarismo berre o contrário; ele berra por não saber refinar, sutilizar nem embelezar a linguagem.

A beleza e a inteligência nunca devem se calar. Há momentos em que elas têm de ser mais contundentes. Não na esperança de convencer bolsonaristas, não na esperança de sensibilizar mentes toscas. A beleza e a inteligência têm de se esgueirar para que mentes belas e inteligentes sintam que não estão mesmo sozinhas. Por mais que, no campo das ideias, alguém saiba que não está sozinho, é sempre reconfortante quando se tem prova material dessa não solidão. Não caio nessa balela de que o Brasil é maior do que o bolsonarismo; o Brasil é tão ridículo quanto o bolsonarismo. Todavia, sei que o país não é somente o bolsonarismo; o país é capaz de beleza e de inteligência. 

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Reverências

O deus de alguns
se recusa a comprar vacina contra a covid.
O deus de alguns
tripudia sobre os que morrem de covid.
O deus de alguns
defende a tortura.
O deus de alguns
deseja câncer para o outro. 
O deus de alguns
considera que não matar mais é um erro. 
O deus de alguns 
passeia de moto enquanto o país morre de fome.
O deus de alguns
queima os biomas do Brasil.
O deus de alguns
é a favor de ditaduras.
O deus de alguns 
é corrupto.
O deus de alguns
é miliciano.
O deus de alguns
censura ideias.  

O deus de alguns
é venerado por demônios.

Fotopoema 422


 

Voo


 

Perfil

Pudesse, na tentativa de ser grande e de ser carismático, o presidente imolaria um dos filhos. Substitui a imolação por bravatas e passeios de moto, que não escondem a figura beligerante, pusilânime, infantilizada, perversa, ignorante, minúscula e desprovida de inteligência que é. 

Fotopoema 421


 

Passeio


 

Fotopoema 420