terça-feira, 20 de junho de 2017

Ingenuidades

Caetano Veloso, em “Podres Poderes”, que é de 1984, escreveu: “Será que nunca faremos senão confirmar / A incompetência da América católica / Que sempre precisará de ridículos tiranos?”. A história da América Latina sempre foi marcada pela figura do (ridículo) tirano. Não raro, essa figura está ligada a outra, a do salvador da pátria. Quando há crise, o solo se torna propício ou para o tirano ou para o salvador da pátria. A mesma pessoa pode encarnar os dois.

Há alguns dias, tendo eu acabado de almoçar num restaurante local, no momento em que estava pagando a conta, um outro freguês, conhecido meu, que também estava na fila para o pagamento, iniciou conversa comigo. O assunto era o momento político do Brasil. Depois de meu conhecido ter culpado tanto o PSDB quanto o PT pelo conturbado cenário institucional por que passa o país, ele disse que somente Jair Bolsonaro para dar jeito na barafunda. Segundo meu interlocutor, Bolsonaro faria o Brasil assumir um caminho honesto e ético.

Por ora, minha intenção não é discutir a boçalidade de Bolsonaro. O episódio em que ele elogiou Carlos Alberto Brilhante Ustra ou o em que ele disse que o erro da ditadura foi “torturar e não matar” (embora ela tenha matado muito) são reveladores do que Bolsonaro pensa. O que é preocupante é saber que ainda há pessoas que acreditam em salvadores de pátrias. Acreditam que basta a vontade de algum político ou de algum ditador para se acabar com a corrupção no Brasil.

Essa ingenuidade é alarmante. Repito: não somente por se tratar de alguém crer num sujeito tão tosco quanto Bolsonaro, mas por se acreditar que alguém, seja quem for, tem poder para eliminar, em um ou dois mandatos, a entranhada corrupção brasileira. Não raro, essa perigosa ingenuidade leva pessoas a defenderem a ditadura militar como solução contra corruptos. Há quem, mesmo ciente de que houve corrupção durante os governos militares, defenda ditadura, mas há quem de fato acredite que o Brasil não teve corrupção durante a vigência do golpe militar de 1964.

Num cenário sombrio, por mais ditador que fosse um tirano, não são os cruéis caprichos dele que teriam o poder de dizimar a corrupção. Não somente por estar ela tão onipresente nas instituições, nas esferas federais, estaduais e municipais, mas por haver, além da corrupção institucional, a corrupção do dia a dia. “Enquanto os homens exercem seus podres poderes / Motos e fuscas avançam os sinais vermelhos”. 

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