domingo, 21 de setembro de 2008

FOTOPOEMA 25


A HISTÓRIA POR TRÁS DA FOTO (37)

Esta foto é meu momento “Forrest Gump” (lembra-se da cena de abertura do filme?). O registro foi feito em Três Marias/MG, numa usina hidrelétrica.

Eu estava lá após ter visitado a Gruta de Maquiné e ter passado em Cordisburgo/MG, onde nasceu Guimarães Rosa.

Era um fim de tarde. Na hidrelétrica, muitas garças por perto; pude fotografá-las em profusão. Enquanto me deliciava com as aves, pude ver a pena de uma delas caindo suavemente. Não custava nada tentar... Comecei a tentar fazer o foco, o que não foi fácil. Além do mais, apesar da suavidade da queda, eu sabia que não teria muitas oportunidades. Ainda assim, pude tirar duas fotos. A única aproveitável é esta.

A TROCA DA PASTA DENTAL

Eu estava num supermercado, já no caixa. Antes, eu havia procurado por uma determinada marca de pasta dental, que não estava na prateleira. Uma funcionária me explicou que a marca estava na parte da frente do supermercado. Fui então pagar as poucas mercadorias que já havia comprado. Enquanto a atendente do caixa ia passando os produtos pelo leitor de códigos de barra, perguntei para ela se o pagamento da pasta dental deveria ser feito ali ou aonde eu deveria ir pegá-la.

O pagamento deveria ser ali mesmo. Fui até o local e apanhei a pasta dental. Havia pouca gente no supermercado, que estava prestes a ser fechado. Voltei para o caixa. Por falta de troco, a funcionária que estava me atendendo pediu a uma outra que fosse conseguir moedas. Enquanto esta se distanciava, a atendente comentou comigo que a pasta dental que eu queria teve de ser mudada de lugar porque estava se tornando comum a troca de pastas dentais: o freguês pegava uma pasta dental cara e a colocava na caixa de uma mais barata. Na hora de pagar, levava para o acerto a caixa da pasta dental mais barata, que continha, na verdade, a mais cara. Em virtude disso, a pasta dental mais cara passou a ser vendida na parte da frente do supermercado, pois ela é agora entregue ao freguês por uma funcionária.

Aguardando ainda a vinda do troco, eu e a atendente começamos a conversar sobre a prática das trocas. Ela, num tom calmo, disse: “Não entendo esse povo que rouba essas ninharias. Meu pai me dizia que a gente nunca deve roubar nada – nem se for pra ficar rico”. Talvez percebendo meu interesse na conversa, ela prosseguiu: “O pior é que essas pessoas que roubam mixarias são aquelas que depois falam mal dos políticos. É claro que os políticos roubam, mas não são os únicos. Numa boa? O cara que troca uma pasta dental num supermercado e vai embora se achando o máximo é igualzinho aos políticos corruptos que ele se sente no direito de criticar. O brasileiro não consegue olhar para o próprio umbigo. Acho isso muito esquisito. O sujeito leva vantagem em um real, acha isso o maior vantajão e sai contando pros amigos. Se tivesse a chance, ele também roubaria os milhões que os políticos roubam”. Nisso, a garota com o troco chegou. Eu me despedi das funcionárias e vim embora.

NA BANCA DE REVISTAS

Hoje, por volta de 13h15, tive experiência proustiana: desde criança, freqüento bancas de revistas. Tenho em casa o acervo que acabei juntando ao longo dos anos. Mais cedo, ao entrar em uma banca a que nunca tinha ido, senti o cheiro dos papéis, mistura de diferentes publicações produzindo uma gostosa sensação. Assim que entrei, o cheiro veio forte. Um cheiro onipresente, gostoso, encorpado o bastante para me conduzir a um passado saudoso. Talvez, o que tornava tão espesso o cheiro fosse o fato de que o recinto era pequeno e havia centenas e centenas de revistas.

No fundo, sou o mesmo. O garoto que aguardava ansiosamente a chegada das revistas está no adulto que aguarda ansioso a vinda das publicações e que entrou mais cedo numa banca. O que mudou, é que o adulto (nem sempre) lida melhor com os pensamentos, impulsos e sentimentos infantis. Em essência, não mudei. O regozijo na banca, quem o sentiu foi o garoto.

CONTO 14

O grande sonho de Ricardo era se mudar para uma grande cidade. Deixou a terra natal, de setenta mil habitantes, e se mudou para Belo Horizonte. De lá, para o Rio de Janeiro. De lá, para São Paulo. De São Paulo, para Nova York. Em Nova York, teve saudade de São Paulo. Voltou para lá. Em São Paulo, do Rio de Janeiro; no Rio, de Belo Horizonte; em BH, de Alfenas. Em Alfenas, de BH... Então descobriu que não haveria para ele nenhum lugar ideal, pois, acometido de incurável saudade de tudo quanto há, Ricardo chegara à conclusão inapelável de que o melhor lugar do mundo é onde não se tem saudade de outro lugar.