segunda-feira, 18 de julho de 2016

Alice e Júlia

Esta postagem vai para meus amigos Dell Luiz e Maysa. As filhas deles, Alice (de touca vermelha) e Júlia, nasceram hoje pela manhã. 

Grenouille ou a incapacidade de sentir

Há ecos naturalistas (refiro-me ao Naturalismo do século XIX) em O perfume, do Patrick Süskind. Além disso, há o fantástico, no sentido sobrenatural do termo. Nessa linha de pensamento, a criação de Süskind é um romance fantástico-naturalista.

Já escrevi que Jean-Baptiste Grenouille, personagem central do livro, é o mais recente grande monstro da literatura. Pode figurar no mesmo panteão em que esteja, digamos, um conde Drácula. Isso, por si, já é uma grande conquista para O perfume.

Admirável também em Süskind são a elegância e o refinamento de seu estilo ao contar a história de uma criatura incapaz de sentir algo que lembre, ainda que de longe, entendimento do outro ou compaixão. Drácula é capaz, a seu modo, de expressar sentimento. Grenouille, não.

Ele é uma coisa imprecisa. Sim, coisa. Acima, usei a palavra “monstro” para me referir à criação de Süskind. Todavia, é difícil definir Grenouille, dar um nome a ele, adjetivá-lo. Ele é um vazio, um vácuo, a maior expressão da incapacidade de sentir algo que pareça bom. Ele é a indiferença pelo outro.

Desconheço maior ausência de sentimento do que a que há no personagem. Sua vileza tem elementos que bem conhecemos: ele engana, manipula, mata... Contudo, Grenouille é a impossibilidade da redenção, da compreensão do que é humano.

Ele é o egoísmo exacerbado, levado a consequências hiperbólicas. Para ele, não há diferença entre lidar com o corpo de alguém que acabou de matar e mexer num pedaço de couro velho. O dom olfativo de Grenouille não é usado como oferta, mas como coroação de si mesmo. Ele precisa do outro, não num sentido em que pudesse haver uma nota de bondade. O outro, para o perfumista, é material para sua alquimia, um produto químico.

O perfume pode ser lido como poderosa alegoria da esterilidade que o egoísmo pode produzir. Os não humanos de Philip K. Dick ou a criatura de Victor Frankenstein têm fraquezas que nos são familiares. O personagem de Süskind é de outra espécie, um não humano que, ao se glorificar, extingue-se. Grenouille é a absoluta incapacidade de amar. 

Narradores felizes

Há narradores felizes. O narrador de “O amor nos tempos do cólera” é feliz; Riobaldo, a despeito do que conta, é um dos narradores mais felizes que há. A persona literária de Borges é muito feliz. Essa persona e Riobaldo têm em comum o encantamento pelo mundo, pela metafísica, pela cogitação. Otto Lara Resende, em suas crônicas, foi outro que criou um narrador muito feliz.