segunda-feira, 31 de março de 2014

BEROLA 0 x 0 GUSTAVO

Via Twitter, Neto Berola, atualmente no Atlético/MG, atacou Bob Faria, comentarista do Sistema Globo. Os comentários de Berola são inconsequentes e imaturos. Chegam a abrir brechas para um processo; não sei se Faria tomará tal atitude.

Em um programa de TV, Lélio Gustavo, famoso comentarista da Rádio Itatiaia, rebateu as críticas que Berola fizera contra Bob Faria. O problema é que Gustavo foi tão inconsequente quanto Berola.

Lélio Gustavo confirmou que foi demitido da Rádio Itatiaia em virtude dos comentários que fizera. O que sobra do episódio é que jogadores, mídia e torcedores continuam, na maioria, primários. De tempos em tempos, o despreparo e o destempero vêm à tona.

Não importa o lugar, não importa o time: torcedores têm brincadeiras que são, quase todas, imbecis ou preconceituosas; jornalistas deixam o profissionalismo e se tornam torcedores infantis; jogadores, não raro, fazem declarações tão lamentáveis quanto o futebol que jogam. 

Estão quase todos num campo só, participando de um futebol minguado e de uma estrutura incompetente. Caso queira conferir “link” para matéria sobre o imbróglio Berola-Gustavo, clique aqui

INFIEL



Ayaan Hirsi Ali nasceu na Somália, em 1969. De família muçulmana, seu destino já estava traçado: obedecer ao que prescreve o Corão, obedecer aos homens, casar-se com quem escolhessem para ela. Ainda menina, devido às tradições de que foi vítima, passou por clitorectomia.

Ela é autora do estupendo Infiel, publicado pela Companhia das Letras. Autobiográfica, a obra relata a vida de Ayaan Hirsi Ali desde a infância, num mundo arcaico e cheio de costumes anacrônicos, assolado por conflitos bélicos, até a fuga para a Europa, a carreira política na Holanda (foi deputada por lá) e o atual exílio nos Estados Unidos.

Infiel muda de tom quando Ayaan Hirsi Ali começa a falar de sua carreira política na Holanda. Se antes de contar sua incursão em trâmites políticos sua dolorida biografia era narrada sem questionamentos mais profundos, a partir do momento em que nos conta sua jornada política, a escritora não se furta a analisar temas controversos, como o islamismo que herdara; hoje, após anos de reflexão, Hirsi Ali se declara ateia. 

Ela também conta o episódio em que um amigo dela foi assassinado depois de dirigir um curta-metragem cujo roteiro é de Ayaan Hirsi Ali. Submissão, o nome do curta, tem direção de Theo van Gogh, que seria assassinado por causa da feitura do vídeo. Hirsi Ali passou a receber ameaças de morte. O vídeo está no Youtube: bastar digitar o nome dela e a palavra “submission”.

A autora deixa claro: (...) “Nós, no Ocidente, fazemos mal em prolongar desnecessariamente a dor dessa transição [a transição para o mundo moderno], alçando culturas repletas de farisaísmo e ódio à mulher à estatura de respeitáveis estilos de vida alternativos”. Hirsi Ali desaprova a complacência ocidental para com um sistema “incompatível com os direitos humanos e os valores liberais”, nas palavras dela.

Infiel fez com que eu olhasse de um modo menos desconfiado para o Ocidente. Não que eu tenha passado a aprovar as crueldades desse Ocidente, seja no Oriente, seja na África, seja no próprio Ocidente. Entretanto, o livro fez com que eu reconhecesse de modo mais nítido conquistas “simples”, como a liberdade de me exprimir.

Ayaan Hirsi Ali escreveu um livro essencial. Também via Youtube é possível ter acessos a debates de que ela participou. Infiel é o retrato de uma mulher notável. Ela teve malária, pneumonia; teve a genitália mutilada, teve uma faca na garganta num assalto, teve o crânio fraturado por um professor de Alcorão. Reflete a autora: “Quantas moças nascidas no Hospital Digfeer, em Mogadíscio, em novembro de 1969, ainda estão vivas? E quantas têm voz, realmente?”. Ainda bem que Hirsi Ali lutou para achar a dela.

domingo, 30 de março de 2014

HORA DE FINGIR, ZECA BALEIRO

Desde tempos imemoriais, gosto de intertextualidades: aquela coisa de uma canção que nos remete a um livro; de um filme que nos remete a uma pintura... Chego a suspeitar de que gosto tanto da intertextualidade porque ela acaba por revelar, em última instância, que, em essência, somos os mesmos.

Recentemente, escutando “Time to pretend”, do MGMT, eu me lembrei de “Babylon”, do Zeca Baleiro. Ambas têm em comum um eu lírico a devanear, imaginando-se numa realidade que não é a sua, num mundo que não está materializado, mas que habita a imaginação. Nesse devaneio, os excessos que o dinheiro pode comprar estão ao alcance.

Uma diferença entre as letras é que na do Zeca Baleiro há um instante em que o eu lírico cai na real (ainda que depois volte a devanear), assumindo que o mundo charmoso e sedutor que vinha concebendo não existe para ele: “Não tenho dinheiro / Pra bancar a minha droga / Eu não tenho renda / Pra descolar a merenda”. Na letra do MGMT, o devaneio está em toda a letra.

A canção do MGMT causou certa polêmica; houve quem dissesse que a letra fazia apologia a um modo de vida destrutivo. Não a entendo assim; encaro a letra como “mero” devaneio de alguém que sonha com o universo do estrelato, o qual pode parecer tão sedutor para nós, que não vivemos nele. Vislumbrado de longe, esse universo pode ser tudo com que alguém sonha.

Para conferir a letra de “Babylon”, clique aqui; para conferir a de “Time to pretend”, tanto a versão original quanto a tradução, aqui

SILÊNCIOS

Um silêncio fecundo habita a amplidão.
Não escuto meus pensamentos, 
o mundo não se faz escutar.
Eu e a natureza somos um 
vasto esquecimento feito de silêncios. 

FOTOPOEMA 349

quinta-feira, 27 de março de 2014

"O DUBLÊ DO DIABO"


De antemão, digo que aquela coisa de o George W. Bush se referir a países como o Iraque como sendo um dos integrantes do “eixo do mal” é retórica barata e maniqueísta. Num texto publicado em seis de junho de 2006, depois de os EUA capturarem Saddam Hussein, o genial e ousado Robert Fisk, do jornal The Independent, escreveu sobre a hipocrisia que era enforcar Hussein.

Na terça-feira, procurando por algo para assistir em torno de 22h, leio a sinopse de “O dublê do diabo” [The devil’s double], de 2011. A direção é de Lee Tamahori. Michael Thomas escreveu o roteiro, que por sua vez é baseado em livro de Latif Yahia. Ele, Yahia (interpretado por Dominic Cooper), é o personagem principal do filme, baseado em fato real.

Nascido em 1964, Yahia, filho de um bem-sucedido empresário, teve como colega de sala Uday Saddam Hussein (também interpretado por Dominic Cooper), filho do futuro Presidente iraquiano. Ainda na escola, a semelhança de Yahia com Hussein, o filho, já era notada. Precisamente essa semelhança tornar-se-ia uma maldição para Yahia, que se vê obrigado a assumir o papel de sósia de Uday Saddam Hussein.

Depois de ter sido submetido a sessões de tortura e de terem dito a ele que se ele não topasse ser o sósia a família dele sentiria as consequências da recusa, não haveria alternativa a Yahia a não ser aceitar o que lhe impuseram. No olho do furacão, ele presenciava as insanidades e desumanidades de Uday Saddam Hussein.

Os eventos pelos quais Latif Yahia passou foram relatados em livros, numa trilogia que tem os seguintes títulos: “I Was Saddam's Son” [Eu fui filho de Saddam], “The black hole” [O buraco negro] e “Forty shades of conspiracy” [Quarenta tons de conspiração]. O filme de Tamahori é baseado no primeiro volume da trilogia de Yahia.

Se por um lado não é exagero, de acordo com o que é mostrado no filme de Tamahori, adjetivar o comportamento de Uday Saddam Hussein como sendo diabólico, há que se tomar o cuidado de não se esquecer das atrocidades que os EUA e seus aliados perpetraram para tirar Saddam Hussein do poder.

Interessei-me pelos livros de Latif Yahia. Se você gosta de se envolver em causas humanitárias, há um motivo para que você os adquira: Yahia doa todos os direitos autorais decorrentes das vendas dos livros para as crianças iraquianas que ficaram órfãs depois que uma guerra no Iraque foi deflagrada pelos EUA em 2003. 

VINTE E SETE DE MARÇO


Se vivo estivesse, o senhor Renato Manfredini Júnior, o Renato Russo, completaria hoje cinquenta e quatro anos. É por isso que posto uma canção do Legião Urbana. Era uma das preferidas do Renato, conforme o que ele dizia nos shows.

No dia vinte e nove de agosto de 1992 conferi um show da banda em Uberlândia, no UTC. Tendo chegado cedo à cidade, fui para um dos hotéis em que os legionários poderiam estar. Chegando lá, fiquei sabendo que estariam em outro hotel, que fica perto. Fui para lá e fiquei aguardando. Quando a banda chegou, tive a oportunidade de pegar o autógrafo do Renato Russo.

Ele era baixo, muito magro. Foi muito atencioso conosco, os que ficamos o aguardando na porta do hotel. Perguntei para ele se ele se lembrava de ter tocado em Patos de Minas. Ele me olhou com cara de espanto e me perguntou se eu estava no show; eu disse que não estava, e completei dizendo que eu tinha onze anos na época. Ele então brincou: “Poxa, estou ficando velho”. Infelizmente, não ficou. 

terça-feira, 25 de março de 2014

DOSE

Que meu pessimismo 
não me destrua.

Que meu otimismo 
não me iluda. 

segunda-feira, 24 de março de 2014

"SOMOS TODOS ÍNDIOS"

Em carta com a data de primeiro de maio de 1500, Pero Vaz de Caminha dá notícia ao rei de Portugal sobre o achamento (palavra essa usada por Caminha) de um novo lugar, a Ilha de Vera Cruz.

A carta deixa claras algumas das intenções dos portugueses quando chegaram por aqui. Por ora, não as comento. Quero é transcrever trechos nos quais Caminha destaca o escambo que estava ocorrendo entre os portugueses e os índios, com o escrivão mencionando a ingenuidade dos nativos daqui, seduzidos por bugigangas. 

Escreve Caminha num trecho da famosa carta: “Davam-nos daqueles arcos e setas em troca de sombreiros e carapuças de linho, e de qualquer coisa que a gente lhes queria dar”. Outro trecho: “Ali davam alguns arcos por folhas de papel e por alguma carapucinha velha e por qualquer coisa”. Um último: “Alguns deles traziam arcos e setas; e deram tudo em troca de carapuças e por qualquer coisa que lhes davam”.

Deixando para trás o ano de 1500, voltemos para 2014. O motivo de eu ter citado no parágrafo anterior os trechos da carta do Caminha se deve a uma matéria que li recentemente na edição deste mês de março do Le Monde Diplomatique Brasil.

O título da matéria já elucida: “A Chevron polui, mas não quer pagar suas multas no Equador”. No texto, Hernando Calvo Ospina explica como um gigante do petróleo, a Texaco, depois comprada pela Chevron, destruiu vidas humanas e poluiu o ambiente no Equador. 

Quinhentos e treze anos depois da carta de Caminha, leio no texto de Ospina, que cita Jimmy Herrera, interlocutor entre os indígenas do Equador e o atual governo: “As comunidades indígenas foram as mais afetadas, pois a Texaco alterou sua existência a ponto de algumas desparecerem. (...) A petroleira solucionava os inconvenientes dando ‘espelhinhos’ de presente aos índios (...), ou ameaçando com a repressão do Exército”. 

"PAIXÃO OBSESSIVA"


“Paixão obsessiva” é um filme sinistramente suave. Sim, o título que deram em português não ajuda. O título original é sarcástico — “The good doctor”. Martin Blake (Orlando Bloom), o doutor a que o título em inglês faz menção, tem domínio do ofício. Todavia, tal domínio não implica equilíbrio psicológico.

É um filme suavemente sinistro. A cadência é lenta, quase monótona. O tom monocórdio, curiosamente, evidencia a perversidade e o caráter doentio de Blake. Que coisa... Não é um filme de terror, mas é um filme assustador. Blake desenvolve fixação por Diane Nixon (Riley Keough), que é paciente dele. Para que ela não receba alta, ele a mantém “medicada”.

O filme é de 2011. Tem a direção de Lance Daly. O roteiro ficou por conta de John Enbom. “Paixão obsessiva” evidencia de modo brilhante a velha ideia de que é preciso separar o homem de sua obra. Blake domina a técnica, sabe o que faz. Sua competência, entretanto, é inversamente proporcional à sua ética.

Blake é o grande doente. Ele irrita porque, tendo inventado para si um personagem, engana, manipula, trapaceia, burla, convence. Ele é um monstro competente. No fim das contas, não precisamos ficar em dúvida se ele é médico ou se é monstro. Blake é talentoso, mas não é médico. Ele é outra coisa. É uma imitação do que é um médico. Eficaz no arremedo, mas arremedo.

O filme é assustador sem querer assustar. A perversidade não vem embrulhada em clichês. A quase ausência de artifícios destaca a personalidade doentia de Blake e joga holofotes sobre o estupendo trabalho realizado por Orlando Bloom. A película é um retrato horrendo do que um bom “médico” é capaz de fazer, do que uma “boa” pessoa pode realizar. 

sábado, 22 de março de 2014

LEITURAS

A página não substitui a pele.
A pele não substitui a página.
Quero página, eu quero pele.
Há um modo de tocar a página,
há um jeito de tocar a pele.
O tato lê, o corpo entende.
O coração se alegra e relê. 

sexta-feira, 21 de março de 2014

AGORA, AQUI

Nunca me instigaram 
nem o de-onde-vim 
nem o para-onde-vou. 
O que me aguça são 
o insondável agora,
o intrigante aqui. 

APONTAMENTO 196

Aquela coisa de “assim ficaria melhor”, “eu teria usado a palavra ‘espera’ em vez de “esperança”... Nunca fui leitor de consertar escritos alheios. Mas eles consertam quem sou. 

FOTOPOEMA 348


Tanto a foto quanto o poema são antigos; decidi juntá-los. 

TORRENTE

Decidiu ele que não 
choraria as mágoas. 
Acabou se afogando 
na enchente de si mesmo. 

MATERIAL

Manejar palavra como quem maneja corpo de mulher.
Manejar corpo de mulher como quem maneja verbo.
Manejar verbo como quem leva corpo de mulher ao êxtase.
Palavra é para fazer vibrar o corpo.
Corpo é para se tornar poesia. 

CANÇÃO

Haverá algo mais belo do que “Lambada de serpente”?
Eu acho isso agora.
Isso é coisa de momento.
E daí? 
O amor é coisa de momento.
O amor é momento que se quer a todo momento.
Eu escuto “Lambada de serpente” há horas, sem parar.
Eu compreendo o momento.
Compreendo sem querer compreender, sem querer pensar.
Sou apenas um coração fraco que não sabe o que faz com tanta beleza por [todo lado.
Eu escuto a canção e me entendo, sem ter me esforçado para isso.
Ainda bem que existem canções.
Eu as escuto, eu me permito e aceito o que sou.
Eu sou agora a consequência de quem escuta uma canção.
É só um momento.
Mas como sou grato ao Djavan por tê-lo inventado. 

CRUZEIRO 2 x 2 DEFENSOR

Cada um usa as armas que tem. Assim é na vida. Assim é no futebol, que é a vida se movimentando num gramado. Fôssemos analisar o futebol em si, o Cruzeiro é melhor do que o Defensor. Este, no primeiro tempo, teve a catimba como arma.

A estratégia funcionou. Embora o placar da primeira etapa tenha sido de um a zero para o Cruzeiro, o time caiu na armadilha do Defensor, tendo a equipe belo-horizontina se tornado uma pilha nervosa ainda no primeiro tempo.

Ambas as equipes tiveram um jogador expulso antes do intervalo. Curiosamente, o jogo feio da primeira metade do jogo não voltou para a segunda. Num clima de mais futebol e de menos astúcia por parte do Defensor, o Cruzeiro fez dois a zero. Esse placar asseguraria à Raposa o segundo lugar no grupo.

Parecia haver algo de artificial na calma do Cruzeiro. Tocando a bola de lado e recuando demais, a equipe mineira exercia um domínio aparente. A ânsia do primeiro tempo não havia ido embora; ela somente estava sendo camuflada. No fim do jogo, o Defensor empataria.

A fim de prosseguir no torneio o Cruzeiro precisar vencer os dois jogos que restam. Todavia, ainda que isso ocorra, o time vai depender de resultados alheios, o que deixa a classificação muito incerta. Fica no torcedor uma temerosa esperança. 

quinta-feira, 20 de março de 2014

AS CINCO ESTAÇÕES

Minha estação preferida é aquela
em que minha pele não está fria,
em que meu corpo não está quente demais,
em que me reinvento apesar da queda,
em que observo brotar o que plantei.

Minha estação preferida
pode se dar num vinte e nove de fevereiro 
ou começar no hemisfério sul.

Minha estação preferida é quando 
tu desembarcas em mim e eu viajo em ti. 

SINTONIA FINA

Pessoas, estou no ar com o Sintonia Fina, programa musical. Caso queiram escutar, cliquem aqui. A atração vai até às 15h10. 

quarta-feira, 19 de março de 2014

DOIS COELHOS

A Adélia Prado tem um poema chamado
“Todos fazem um poema a Carlos Drummond de Andrade”.
Este é o meu — 
também para ela. 

terça-feira, 18 de março de 2014

PERCURSO

Tive hoje a maravilha 
que é escutar tua voz.
Descobri por que ela 
não me sai da cabeça:
é que tua voz azul sabe 
construir veias que partem 
do ouvido e desembocam
bem lá dentro do coração. 

ELAS

1. Saiba tratá-las com reverência. Saiba desrespeitá-las.

2. Prefira as simples, sem contudo descartar as sofisticadas.

3. Seja terno com elas, sem deixar de aprender a pegá-las de jeito.

4. Não se esquecer de que levá-las a sério não é o mesmo que perder o senso de humor.

5. Preste culto a elas; use-as; abuse delas.

6. Gostam de ser escutadas, gostam de surpresas.

7. Repare se o silêncio delas é próprio de cada uma ou se é causado por você. Se causado por você, cuidado para não emudecê-las.

8. Com jeito, você pode trocá-las, colocá-las em cima, de lado, no meio...

9. Entenda de ponto final e de reticências.

10. Perca o medo, ouse; elas vão gostar.

11. Perca o medo, ouse; você vai gostar.

12. Não importa se feia ou se bonita: há momento para todas.

13. Dê risada com elas, ache graça delas, mas sabendo ser sério quando se deve.

14. Valorize as velhas, sem deixar de dar atenção para as novas.

15. Pode haver uma parecida com a outra, mas cada uma é única.

16. Tenha persistência sutil; entregar-se-ão.

17. Não é por terem escolhido você que todas merecem ser usadas. Saiba dizer “não”, saiba deixar para trás, sem todavia deixar de aprender a dizer “sim”.

18. Aquela que não serve para você pode ser tudo o que outro procura.

19. Nem todo flerte precisa acabar em casamento.

20. Dizer “não” não é dizer “nunca”; dizer “sim” não é dizer “sempre”.

21. Saiba o que cada uma quer dizer.

22. Pode ser pior trocar uma pela outra; pode ser melhor trocar uma pela outra.

23. Elas podem ferir, elas podem curar. Podem servir à guerra ou ao amor; depende de quem esteja lidando com elas.

24. Podem funcionar sozinhas, mas são capazes de prodígios quando acompanhadas.

25. Feliz aquele que se dedica a elas, as palavras. 

segunda-feira, 17 de março de 2014

PEDIDO

Aqui estou para fazer um pedido:
para ti, que eu nunca seja oblívio;
eu quero ser o teu sempre Lívio. 

domingo, 16 de março de 2014

“MINHA VIDA SEM MIM”


“Minha vida sem mim” [My life without me] é um filmaço de 2003. Incrível como a diretora e roteirista, Isabel Coixet, contou uma história pesada sem, todavia, cair num dramalhão. O filme é baseado numa das histórias que compõem o livro “Pretending the Bed is a Raft”, de Nanci Kincaid.

Logo no começo, Ann, vinte e três anos, interpretada por Sarah Polley, recebe o diagnóstico que tem câncer e que morrerá em dois ou três meses. Ela decide esconder a doença de seu marido, de sua mãe e de suas duas filhas pequenas, alegando ter sido diagnosticada com anemia.

O casal passa por dificuldades financeiras. Don, o marido, interpretado por Scott Speedman, está, a princípio, desempregado (consegue emprego depois). Ann trabalha como faxineira. Ela não se dá bem com a mãe, interpretada por Deborah Harry (sim, aquela mesma, que foi vocalista da banda Blondie, do sucesso “Heart of glass”). Alfred Molina faz o pai de Ann; ele está preso.

Diante de um futuro cuja certeza é uma morte em breve, Ann decide fazer uma lista de coisas que pretende realizar. Nessa lista, há pendengas a serem resolvidas com a mãe e com o pai, bem como atitudes mais triviais, como um novo corte de cabelo. Ela também decide satisfazer a curiosidade de fazer amor com outro homem que não seja o marido.

Don e Ann haviam se casado muito jovens; conheceram-se, segundo eles, no último show realizado pelo Nirvana. Don era o único homem com quem Ann relacionara-se sexualmente. Tendo tomado a atitude de ficar com outra pessoa, conhece Lee, interpretado por Mark Ruffalo.

É um filme poético ali, reflexivo acolá. Coixet não se vale dos truques hollywoodianos ao contar a história. A manjada estética de Hollywood, com sua assepsia, não está no filme, que ao mesmo tempo não cede à escatologia. A “danadinha” da diretora e roteirista acertou demais no tom.

“Minha vida sem mim” é denso sem querer filosofar demais; consegue ser terno sem ser açucarado. É um daqueles filmes que nos tornam melhores, que fazem com que pensemos sobre a fugacidade de nossa vida, com que olhemos para ela com um olhar poético e urgente, mas sem desespero. É um delicado e inteligente convite à reflexão. A arte tem esse poder.

sábado, 15 de março de 2014

EM CORES

A gramática não
me deixa colorir,
mas eu coloro. 
Também sou 
defectivo.

sexta-feira, 14 de março de 2014

CONJUGAÇÃO

Eu leio cada palavra tua.
Saboreio cada palavra tua.
Chego até a decorar várias.

Reparo em cada ponto,
em cada ponto e vírgula.
Eu concebo entrelinhas...

Teu verbo, elegante poder.
Basta uma palavra tua e
será outro o meu destino. 

POSSIBILIDADES

Se aconteceu, é possível.
Se existiu, é possível.

O impossível não pode ser.
Desatino, buscá-lo.
Mas isso não é motivo para que
deixemos de vislumbrar 
formidáveis possibilidades. 

"O DIFÍCIL PARTO DO PORCO-ESPINHO"





As fotos desta postagem foram tiradas no dia trinta de dezembro de 2006. A princípio, quando vi o porco-espinho, pensei se tratar de um ninho (sic) ou algo assim. Só que de repente o “ninho” começou a se movimentar...

Desci logo da moto, já com a câmera pronta. À medida que o bicho se movia, eu o fotografava. Dava ele a impressão de estar próximo a uma área urbana (fiz o registro lá no bairro Copacabana) por causa da enchente pela qual o Rio Paranaíba passou em 2006.

Enquanto eu fotografava, um carro da polícia militar ia se aproximando. De longe, os policiais viram que eu apontava algo em direção a uma árvore. Aceleraram então o veículo e dele desceram rapidamente, talvez tendo suposto, vendo-me de longe, que a lente longa acoplada à câmera fosse o cano de alguma arma.

Quando desceram do carro, fiz, lentamente, gesto para que não se movessem, voltando-me logo após para o porco-espinho. Os policiais então entenderam o que estava ocorrendo e se aproximaram pé por pé, para não espantar o bicho. Pude fazer mais de uma dezena de fotos dele.

O título desta postagem é o título de um conto do professor, ensaísta, tradutor e escritor Luís André Nepomuceno. O conto está no livro “Antipalavra”, lançado em 2004 pela editora 7Letras. Também pela mesma casa o autor lançou “A lanterna mágica de Jeremias” (2005) “Os anões” (2009) e “Histórias abandonadas” (2011). 

quinta-feira, 13 de março de 2014

TU ÉS

Não preciso despejar no papel o que sinto por ti.
Não importa se escrevo sobre a guerra ou sobre o sofá.
Cada sílaba que digito é uma oferta que faço a ti.
Tu és tão em mim de um tal modo que, 
quando sou, eu sou o que sinto por ti. 
Quando escrevo, eu sou o que sou. 
Se sou o que sou, tu és em mim. 
Logo, se escrevo, em cada letra tu és.

Desde que tu és em mim, 
eu não sei o que é ser sem que tu sejas.
Meus olhos gostam de livros,
páginas vão se sucedendo...
Tu preenches as entrelinhas.
Eu canto e fico pensando em 
como seria se estivesses escutando.
Tu és longe, é verdade, mas que tu saibas 
que cada gesto meu é um movimento que faço em tua direção.

Voltar-me para mim é voltar-me para ti.
Voltar-me para fora de mim é voltar-me para ti.
Tu és em meu norte e em meu Cerrado.
Tu és em meu banho e em minha ideia.
O dia amanhece, abro os olhos: eu te acordo em mim.

Entendo de distâncias, sei para onde vais todos os dias.
Carmona que desfaço para deixar entrar esta manhã.
Meu sonho sai pela porta, a saudade entra pela janela.
Em minha boca e em tua pele, uma lembrança nossa.
Enquanto preparo café eu te beijo o rosto.
Bebo uma xícara, encaro o dia ainda por fazer.
Eu existo; se assim é, tu és. 

quarta-feira, 12 de março de 2014

BASEADO EM...


Registro baseado em... patos reais... (Sei que um trocadilho assim não merece perdão, mas não resisti...) 

segunda-feira, 10 de março de 2014

SHOW DE BOLA / HAVING A BALL

Na noite que passou, sonhei com o Jimi Hendrix: ele estava no palco de um ginásio esportivo de paredes azuis. O lugar em que os músicos estavam era baixo; não mais do que uns quarenta centímetros. Eu era o único que conferia o ensaio da banda.

Jimi Hendrix desceu do palco já com uma bola. Daquelas com que as crianças brincavam antigamente. Eram bolas bem grandes, leves, coloridas. Eu não acreditava: Jimi Hendrix brincando comigo?! Pois brincamos, enquanto a banda continuava com o rock. 

TONA

Tenho saudade de 
como eu era.
Mas não deixei de 
ser quem sou,
não escapei de mim.
Ei de me resgatar e 
me trazer à pele. 

domingo, 9 de março de 2014

ENTREVISTA COM MUJICA

Não sei se há em Mujica uma lúcida simplicidade ou uma simples lucidez. Seja uma coisa, seja outra, não consigo imaginar nada mais sofisticado. Entrevista aqui

sábado, 8 de março de 2014

COMPENSAÇÃO

Adélia Prado vaticinou:
“Ser coxo na vida é maldição pra homem”.
Eu sou.
E fui parar 
num verso de Adélia Prado. 

"O VOO"


Eu me surpreendi com a densidade e com as implicações de “O voo” [Flight, 2012], do diretor Robert Zemeckis. O roteiro é de John Gatins. Comecei a assisti-lo sem saber quem era o diretor; pensei que se tratava de mais um daqueles filmes que lidam com catástrofes quando um avião cai.

Não é o caso de “O voo”. Se, de fato, há a queda de uma aeronave, isso é somente pretexto para que questões como o alcoolismo e o papel do direito num processo judicial sejam abordadas. Julgar é muito, muito difícil; isso paira o tempo todo.

O filme é estrelado por Denzel Washington. Prestem atenção no quanto ele está impecável no papel de William “Whip” Whitaker, piloto da aviação civil. Nos momentos em que está tenso, há trejeitos e tiques que se repetem e que se intensificam nas cenas finais. Washington convence como alcoólatra que se nega a assumir o vício.

Interessante é que Whitaker é um daqueles personagens que nos fazem torcer por ele, mesmo estando nós cientes de suas graves irresponsabilidades. É que reconhecemos o genial profissional que ele é, ao mesmo tempo em que logo sacamos que sua empáfia é sintoma de quem finge saber lidar com o alcoolismo.

Whitaker acaba conhecendo Nicole, interpretada por Kelly Reilly. Nicole é dependente de drogas. O encontro que haverá entre os dois é sugerido numa sequência tensa: Nicole está em terra, numa maca, depois de ter consumido droga pesada; Whitaker está pilotando um avião, que está prestes a cair.

É uma cena rápida, que me remete ao poema “Amor à primeira vista”, da poeta polonesa Wisława Szymborska. No poema, há a sugestão de que o primeiro encontro entre um casal já estava sendo tramado antes que ocorresse. Não sei se Zemeckis, o diretor, ou se Gatins, o roteirista, tinham o poema em mente ao compor a cena. À parte isso, ela faz lembrar o texto de Szymborska: a arte imita a arte.

Outro ponto alto do filme é a trilha sonora, regada a clássicos do pop/rock, em especial The Rolling Stones. Se Whitaker está curtindo alguma canção, ou se o figuraça Harling Mays, interpretado por John Goodman, entra em cena, esteja certo de que isso é garantia de boa música. Repare que próximo ao fim da película, em sequência gravada num elevador, “With a little help from my friends”, dos Beatles, é apropriadamente executada, em breve e sutil solo de piano.

Às vezes, julgamos uma pessoa por um gesto, por um delito. Julgar é complicado. Se por um lado Whitaker tem habilidade rara ao pilotar, por outro, é consumido pelo vício. E se o vício e o talento estiverem num mesmo instante?... Por fim, abaixo, a transcrição do poema que mencionei, de Wisława Szymborska. A tradução é de Regina Przybycien.
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Amor à primeira vista — Wisława Szymborska

Ambos estão certos 
de que uma paixão súbita os uniu. 
É bela essa certeza, 
mas é ainda mais bela a incerteza.

Acham que por não terem se encontrado antes 
nunca havia se passado nada entre eles. 
Mas e as ruas, escadas, corredores 
nos quais há muito talvez se tenham cruzado?

Queria lhes perguntar, 
se não se lembram — 
numa porta giratória talvez 
algum dia face a face? 
um “desculpe” em meio à multidão? 
uma voz que diz “é engano” ao telefone? — 
mas conheço a resposta. 
Não, não se lembram.

Muito os espantaria saber 
que já faz tempo 
o acaso brincava com eles.

Ainda não de todo preparado 
para se transformar no seu destino 
juntava-os e os separava 
barrava-lhes o caminho 
e abafando o riso 
sumia de cena.

Houve marcas, sinais, 
que importa se ilegíveis. 
Quem sabe três anos atrás 
ou terça-feira passada 
uma certa folhinha voou 
de um ombro ao outro? 
Algo foi perdido e recolhido. 
Quem sabe se não uma bola 
nos arbustos da infância?

Houve maçanetas e campainhas 
onde a seu tempo 
um toque se sobrepunha ao outro. 
As malas lado a lado no bagageiro. 
Quem sabe numa note o mesmo sonho 
que logo ao despertar se esvaneceu.

Porque afinal cada começo 
é só continuação 
e o livro dos eventos 
está sempre aberto no meio. 

sexta-feira, 7 de março de 2014

APONTAMENTO 195

Eu não saberia definir a dor. O que sei, é que ela tem uma característica marcante: torna insuportável o agora. 

INJUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS

A ideia de que o cidadão tem de fazer justiça por conta própria está em voga. Constatando a incapacidade do Estado em oferecer segurança, alguns cidadãos decidem que estão aptos a punir aqueles que transgridem a lei. 

A incapacidade do Estado não implica a capacidade do cidadão. Ademais, quando o dito cidadão de bem, essa entidade abstrata, decide julgar, acaba defendendo a pena de morte, entoando mantras como “bandido bom é bandido morto”.

É o cidadão se julgar superior às instituições e superior a outros cidadãos. Julgando-se assim, sente-se no direito de tirar a vida de outra pessoa, igualando-se, assim, aos contraventores. Imaginemos um cenário em que as instituições sejam substituídas pelos chamados cidadãos de bem. Num contexto assim, eu teria ainda mais medo do que o que já tenho.

O argumento do dito cidadão de bem é este: “Se está com dó de bandido, leve pra sua casa”. Ou então: “Quero ver você defender bandido quando a vítima for você”. Ora, eu já sou vítima; eu vivo me policiando. Sempre digo que só temo uma única coisa neste mundo: gente. Eu também sei o que é viver com medo.

É curioso: o chamado cidadão de bem, ao se arvorar no direito de fazer justiça, é truculento. Esse cidadão denomina-se como sendo do bem, mas ele é violento. Se não em gestos, no discurso. E, suponho, ao olhar para os próprios delitos, grandes ou pequenos, não os vê como dignos de punição.

Num “sistema” tão arbitrário, em que bastaria a um grupo qualquer se achar apto a fazer justiça, imagino que muita gente inocente seria considerada culpada, pois com grupos agindo por conta própria não é dada ao “réu” a chance de se defender. Ter-se-ia então uma situação sinistra: a justiça não puniria os contraventores, e inocentes poderiam ser punidos por grupos de “justiceiros”.

Aos desavisados, penso não ser preciso dizer que não defendi contraventores nem disse que o Estado esteja cumprindo com eficácia o que é obrigação dele. Apenas não quero uma sociedade em que gente que se diz de bem seja a responsável por minha “segurança”. 

terça-feira, 4 de março de 2014

QUERO SER MICHAEL STIPE

Em tempo: em postagem recente, mencionei o filme “Quero ser John Malkovich” [Being John Malkovich, 1999]. Acompanhando os créditos do filme, o que sempre procuro fazer, li que um dos produtores é um cara chamado Michael Stipe. Na hora, pensei: “Que curioso: esse produtor tem o mesmo nome do vocalista do R.E.M.”...

Isso foi ontem. Desliguei a televisão e fui me deitar. Há pouco, eu me lembrei disso. Consultando o nosso oráculo Google, descubro que o Michael Stipe, um dos produtores de “Quero ser John Malkovich” é, de fato, o vocalista do R.E.M.! Segundo o IMDB, ele ainda tem uma empresa de produção cinematográfica chamada C-100. 

AND THE PRONUNCIATION IS...

Eu queria ter comentado anteriormente, mas acabei esquecendo: a cerimônia deste Oscar 2014 serviu também para que eu aprendesse a pronunciar corretamente os nomes de Matthew McConaughey e de Pharrell Williams.

Em “Pharrell”, eu pensava que a sílaba tônica era a primeira — é a última. Já em “McConaughey”, sempre que eu via o nome escrito, eu o encarava, por assim dizer, como um desenho, um “ideograma”, nem arriscando qualquer pronúncia.

Enquanto eu estava digitando este texto, eu me lembrei do howjsay.com, que ensina a pronúncia de nomes próprios. O nome “Pharrell” ainda não está na página; já “McConaughey”, sim.

APONTAMENTO 194

CEM ANOS DE JOHN MALKOVICH

Gabriel García Márquez já disse em algumas entrevistas que um dos truques de que ele se valeu em “Cem anos de solidão” (1967) foi o de contar as coisas mais incríveis como se algo banal estivesse sendo narrado. Esse jeito de contar as coisas é também um dos truques de “Quero ser John Malkovich” [Being John Malkovich] (1999), do diretor Spike Jonze. O roteiro é de Charlie Kaufman.

Não que o filme tenha características do que a crítica chama de realismo mágico (não tem); entretanto, as coisas mais imponderáveis são encenadas como se fossem algo trivial. Esse jeito de narrar, não raramente, conduz ao humor. Não bastasse isso, é quase inevitável (ou pelo menos deveria ser) que acabemos refletindo sobre a imponderabilidade da vida que levamos, a imponderabilidade do que chamamos de realidade. 

segunda-feira, 3 de março de 2014

A HISTÓRIA POR TRÁS DA FOTO (74)


Se acordo pela manhã, saio da cama e abro a porta da sala e as janelas da frente da casa. Só depois disso, se for o caso, volto a dormir. Não sei ao certo a razão pela qual cumpro esse “ritual”, mas me sinto melhor quando o realizo. Hoje pela manhã não foi diferente.

Ao abrir a janela da sala em que fica a televisão, gostei da gradação que a luz, ao passar pela janela, estava projetando sobre o sofá e a parede. Olhando-se para a imagem pode-se supor que a janela está, por assim dizer, à esquerda da foto, mas, curiosamente, está à direita. A foto foi tirada às 6h40. 

"VIDA DE JESUS"


“Vida de Jesus”, cuja primeira edição é do século XIX (1863), de Ernest Renan, é um dos livros mais ousados e inteligentes já escritos. Tem o rigor científico de um historiador, um leitor minucioso da história de Jesus conforme nos é contada na Bíblia. Renan disseca a figura de Cristo não na tentativa de fazer ruir o mito, mas, sim, de estudá-lo com um olhar científico, tentando deixar de lado ilusões individuais ou coletivas.

Se lido com a mente aberta, perceber-se-á que se trata de uma obra que não teve a intenção de ser blasfematória. Não há ranço, não há crítica aos que, pela fé, coadunam com o que a Bíblia narra, crendo, por exemplo, que houve milagres — Renan descarta, dentre outras coisas que são contadas nos Evangelhos, a existência de milagres.

Não se trata de um livro contra Jesus nem contra a história do cristianismo. Sem radicalismos, Renan expõe pensamentos e conclusões sem o tom de quem pretende causar polêmica. É fácil polemizar e chocar. Renan não é iconoclasta; é “apenas” um historiador que olha para a figura de Cristo e tenta lançar sobre ele e sua época, com rigor e sensatez, um olhar racional, rigoroso e bonito.

Nos tempos atuais, em que, na falta de bons argumentos, as pessoas têm vociferado desatinos travestidos de opiniões, “Vida de Jesus” acaba sendo, de quebra, uma aula de retórica e de bom senso. A obra ensina, mesmo não sendo sua intenção principal, que até algo muito polêmico pode ser tratado com inteligência.

A edição que tenho é da Martin Claret, que na década de 80 fez sucesso com a coleção O pensamento vivo, na qual grandes inteligências eram biografadas. A tradução de “Vida de Jesus” é de Eliana Maria de A. Martins. Errinhos de digitação aqui e ali não chegam a comprometer a edição, que tem breve cronologia da vida de Renan e, seguindo o perfil didático da editora, apêndices. 

domingo, 2 de março de 2014

VIVER DE SAUDADE

Saudade não 
mata ninguém.

Eu morro 
de saudade de ti.
_____

(Um poema não precisa ser explicado, os bastidores de um poema não precisam ser revelados. Ainda assim, a título de curiosidade, digo que o breve texto acima foi escrito enquanto eu estava lendo o “Vida de Jesus” e aguardando a chegada de aves e de pássaros, conforme a postagem anterior.) 

OUTROS VOOS




O Leonardo da Vinci escreveu que “a felicidade está na atividade”; o Jorge Luis Borges, que “ler é uma forma de felicidade”. Tentei seguir os preceitos tanto do Da Vinci quanto do Borges hoje à tarde, ainda me recuperando de acidente de moto mencionado anteriormente neste blogue. Para me locomover, estou me valendo de muletas, mas já peguei as manhas de ser ágil com elas.

Há um tempão era projeto meu descolar um pedaço de tronco de árvore, na intenção de fazer um comedouro para aves e pássaros no pequeno quintal aqui de casa. Tendo conseguido o tronco, contei com a ajuda do Nivaldo, meu irmão, e do Cícero, amigo do Nivaldo, os quais, serrando, ajeitaram o tronco para que ele pare em pé; fizeram ainda uma espécie de cocho em que a comida pode ser colocada. Ao Nivaldo e ao Cícero, muito obrigado.

Tudo terminado, peguei câmera, lente, livro, caneta e papel. Enquanto esperava por algum pássaro ou alguma ave, eu lia — precisamente, o “Vida de Jesus”, do Ernest Renan — e escrevia uma ideia ou outra que me ocorresse. A leitura ia prosseguindo, bem como um verso ou outro escrito por mim; nem pássaro nem ave davam as caras.

Não tendo alimento próprio para colocar no cocho feito pelo Nivaldo e pelo Cícero, eu me vali de arroz, sem saber se aves e pássaros se alimentam de arroz. Assim que possível, vou comprar algo próprio para eles, numa tentativa de seduzi-los, para que eu os fotografe.

Não sei se pelo horário (fim de tarde), se pelo alimento colocado à disposição ou se pela minha proximidade, não fotografei nada que voasse; ainda assim, eis, nesta postagem, imagens do tronco e do comedouro. Enquanto esperava, como dito, li e escrevi; isso é fazer algo; logo, arrumei um jeito de ser feliz.

A próxima etapa é plantar aqui em casa uma muda de lantana, na intenção de atrair beija-flores e borboletas. Caso eu obtenha sucesso, seja com aves e pássaros, seja com borboletas e beija-flores, vocês saberão. Mesmo que eu não obtenha sucesso com eles, sei que estarei em companhia de algum livro ou de alguma tentativa de escrever enquanto os aguardo. 

EM FLOR