segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Preconceito e loucura

A doença da sociedade brasileira tem sido escancarada em virtude dos desdobramentos políticos e das redes sociais. O que outrora era velado é divulgado em todo o País, exibindo uma face doentia e preconceituosa. O que me leva a escrever isso é o ocorrido hoje (20/11) em São Paulo.

O Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem pra Rua convocaram manifestação em apoio à operação Lava Jato, em São Paulo/SP, na Avenida Paulista. Todavia, no mesmo local, estava ocorrendo a XIII Marcha da Consciência Negra.

A reação de um homem ao estar diante de uma integrante da Marcha da Consciência Negra foi típica do momento de burrice e de perigosa intolerância pela qual o Brasil tem passado. Usando um chapéu verde e amarelo sobre o qual estava escrito o nome do País e uma bandeira do Brasil pendurada no pescoço, o homem gritou para a manifestante: “Tira foto do meu pau! Eu tô louco, sim! Eu sou machista, sim! Vagabunda!”.

Tem-se então que ele pode manifestar o preconceito dele. Pode exibi-lo, pode se orgulhar dele. Na ótica dele, basta usar um chapéu com as cores da bandeira nacional e atacar o outro para que se possa ser considerado patriota. A moça que disse que a bandeira do Japão era manifestação comunista (depois ela se retratou) também se disse patriota.

Desse modo, o conceito de patriotismo é desvirtuado já em sua raiz; a partir do instante no qual esse “patriota”, em nome do que ele considera o banimento da corrupção, propõe um País que exclua, por exemplo, o negro, ele está indo contra o que está no DNA do lugar em que vive.

Não bastasse, esse “patriotismo” de parte dos que põem sobre o corpo a bandeira do Brasil e saem em manifestações que dizem ser contra a corrupção é seletivo nos protestos que realizam. O corrupto é sempre o outro.

O problema é sempre o outro, o que imprime a esse “patriotismo” mais um elemento: a ausência de cosmopolitismo, por mais que se viaje pelo mundo. É que o cosmopolitismo, em essência, não é o mesmo que viajar. Ele diz respeito a um estado mental em que há o interesse em saber o que é outro, seja quem for esse outro, seja em que país for.

Autorretratos na Torre Eiffel e vinhos saborosos em restaurantes legais podem não ser expressão de cosmopolitismo. Uma pessoa que, numa manifestação, xinga a outra do modo como o que citei acima não quer saber nem do outro nem de seu País. Ele está, sim, defendendo o interesse de seus iguais, de seus pares.

Para uma parcela da população do Brasil, se o outro é preto e vem, digamos, de Cuba, está roubando os empregos daqui; se o outro é loirinho, tem olho azul ou verde e fala inglês, ele está contribuindo para nosso crescimento. O preconceituoso jamais enxerga que o crescimento cultural é possível com qualquer outro, não só o outro que atenda a quem o preconceituoso considera detentor de humanidade.

O ocorrido na Paulista é sintomático de um Brasil que mostrou haver nele pessoas inflamadas que estão dispostas a tudo em nome seja de golpe militar seja de um processo de “limpeza” do País. Nesse mundo, cores outras ou ideias outras seriam banidas em nome da ordem e do progresso, lema que tanto gostam de bradar.

Sem o interesse genuíno pelo outro, a visão doente que têm de patriotismo e de cosmopolitismo seria risível. Seria. Eu queria ter achado graça da moça que disse que a bandeira do Japão era evidência de invasão comunista no Brasil, mas não consigo rir de coisas assim. Considero a ignorância exacerbada perigosa demais para que eu consiga zombar dela. Ela é doentia e numerosa. Não bastasse, tem apoio de parte dos grandes meios de comunicação.

Nenhum comentário: