quinta-feira, 23 de junho de 2016

Palavras e roupas para um engodo

Quando se apoia uma causa, é preciso haver o exame consciente, maduro e sincero das motivações por trás desse apoio. Nem todo mundo tem consciência, maturidade e sinceridade para uma análise profunda. Além disso, há quem não assuma publicamente que o preconceito contra algo é o que pode levar alguém a defender seja o que for, seja quem for.

Nesse sentido, se uma pessoa é decididamente contra as causas de um candidato, ela apoiará quase qualquer coisa que venha do candidato oposto. Nesse estado de coisas, até os interesses democráticos podem sair de cena. Caso a pessoa não admita isso diretamente, ela pode, consciente ou inconscientemente, inventar pretextos frágeis para justificar sua escolha.

Não raro, essas pessoas alegam que seu candidato ou tem domínio do português ou é bonito. O mesmo discurso está na mídia: pouco depois do que o próprio Michel Temer chamou de golpe, o Noblat escreveu: “Uma coisa que eu jamais observara: como Temer é um senhor elegante. Quase diria bonito. A senhora dele, também”.

Para algumas pessoas, não importa se houve um golpe (repito: palavra que o próprio Temer usou), desde que o político a assumir o cargo seja bonito ou tenha curso superior; se for bonito e se tiver curso superior, melhor ainda. Como se aparência ou estudo fossem garantias de competência ou de espírito democrático.

Nem preciso dizer que este texto não é libelo contra os belos ou contra os que têm curso superior ou contra os que têm bom português. É sempre agradável olhar para uma pessoa bonita, é sempre ótimo quando alguém (não importa quem) tem a oportunidade de fazer faculdade, é sempre louvável o cuidado que se tem com o próprio idioma, seja ao escrever, seja ao falar. Todavia, nada disso pode ser salvo-conduto para que a pessoa empreenda um golpe (reitero: termo de que o próprio Temer se valeu) político.

No mais das vezes, discursos e entrevistas com políticos, no terreno das ideias, independentemente dos partidos a que estejam ligados, são carregados de lugares-comuns, de chavões, de obviedades. A oratória é habilidade das mais difíceis; não é um curso superior que a garante, não é o hábito de falar em público ou de dar entrevistas que a assegura. No todo, ou os políticos não querem se dedicar a ela ou não têm tempo para esse tipo de estudo.

Mesmo assim, a aparência de que se é convence mais do que de fato ser. Ternos caros, algumas sessões com publicitários e com fonoaudiólogo e ensaios de uma retórica salpicada aqui e ali de citações e de palavras “cultas” dão um verniz que pode ser engodo. Para um desavisado, o que fica é um discurso “chique”, coeso, “superior”, quando na verdade o que há é um desfile de clichês. Para o desavisado, trata-se da arte da palavra em sua essência, quando na verdade são apenas alguns truques ensaiados. A oratória depende de treino, mas é mais profunda do que manhas ditadas pelo marketing de algum político.

Não raro, alguns amigos comentam comigo sobre o inglês de alguns locutores de estações de rádio FM as quais se dedicam ao pop/rock. Esses amigos alegam que locutor de FM desse segmento deve ter inglês bom. Sempre digo que não, pois o mais importante na profissão, do modo como a encaro, não é o inglês. Ter carisma e estar bem informado contam muito mais. Se, além disso, o profissional tem o inglês bom, melhor ainda.

De modo análogo, pergunto: estar bem vestido, ter curso superior e parecer falar bem (ou de fato falar bem) são o mais importante para que a pessoa seja um político? Minha resposta: não. Se o sujeito é político em essência, se sabe se vestir bem, se é bonito e se tem curso superior, que ótimo! No mais, prefiro um Mujica andando de Fusca e vestindo roupas simples a um Temer bem vestido articulando o que ele mesmo chamou de golpe.

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