terça-feira, 19 de abril de 2016

A vinda dos macacos

A capacidade da linguagem é um dos ingredientes que nos humanizam. O “internetês” pode evidenciar o que uma pessoa é capaz de postar quando é a favor de um torturador. Recentemente, reli “O planeta dos macacos”, do Pierre Boulle. No livro, a “tese” para a ascensão dos macacos e a derrocada dos humanos é a “preguiça mental” (expressão usada por Boulle) do homem e a habilidade adquirida pelos símios, a princípio, por imitação, de capacidades intelectuais.

Pode-se extrair daí a ideia de que quando o requinte da linguagem é deixado de lado, tornamo-nos bestas. Uma besta, diante de um teclado, incapaz de formular uma linguagem que faça sentido, apela para a agressão, os gritos, os palavrões gratuitos. A incapacidade de se mostrar humano ou de se condoer com o drama do outro (não importa a ideologia desse outro), faz com que um ser humano passe a louvar gente como Bolsonaro ou como Ustra.

A linguagem, por si mesma, é preciso lembrar, não garante a humanização. Em contrapartida, não há humanização que não passe pela linguagem. Depois que a bestialidade começa a se instalar, é muito difícil ao homem assumir o compromisso de mergulhar na dura tarefa de requintar sua linguagem e seu pensamento. O caminho da bestialidade é fácil. Nem todo caminho fácil é ideal.

Uma vez seduzidos pelo fácil discurso da bestialidade, é fácil, por intermédio de redes sociais, achar quem reverbere a falta de capacidade, seja de compaixão por um ser humano, seja de escrever algo que não sejam interjeições, onomatopeias e palavrões. É o correspondente da vociferação de uma fera produzido num teclado manejado por quem optou por ignorar que a linguagem seria caminho para possível humanização.

Num estado de coisas assim, o ser, que já perdeu a capacidade de perceber que não é preciso gritar para soar contundente, que não entende que o comedimento pode ser incisivo, caminha a passos largos para deixar de ser humano. Passa, então, a se gabar por adorar Bolsonaros ou Ustras. Os macacos estão vindo aí.
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A título de curiosidade: o que me inspirou a escrever esta postagem foi o formidável comentário do Ricardo Boechat sobre a performance do Bolsonaro ao reverenciar Ustra. 

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